A Polícia Civil de Palmeira colheu depoimentos e enviou para a promotoria um possível caso de intolerância religiosa que aconteceu em Palmeira.
Segundo o boletim de ocorrência que a CRUZEIRO teve acesso, tipificado como injuria referente a religião, o fato aconteceu no dia 24 de julho, quando uma jovem pertencente a religião de matriz afro-brasileira, que preferiu não se identificar, foi fazer uma oferenda, ato comum entre praticantes de ritos de origens africanas, a vítima foi filmada e exposta nas redes sociais.
Na postagem, que trazia prints de uma câmera de segurança, acompanhado de um texto onde acusava a vítima de estar associada a atividades malignas, condenando a livre prática da fé e pedindo a identificação de quem estaria fazendo as “macumbas”.
Em depoimento a polícia, que aconteceu no dia 07 de agosto, a vítima disse que a postagem denegria a religião, incitando discurso de ódio e tentando associar a religião e sua praticante a atividades ligadas ao mal.
Em entrevista a CRUZEIRO a vítima explicou que só pelo fato do discurso de ódio vir acompanhado de prints de câmeras de segurança, associava sua imagem e a prática de sua fé a algo criminoso. “É comum vermos na internet prints e imagens de câmeras de segurança associadas a atos criminosos. Não podemos admitir que as religiões de matriz africana sejam veiculadas como crime ou práticas do mal”, disse ela.
Ela explicou ainda que o conceito de altar é ocidentalizado, e que a maioria das religiões possui altares e templos estáticos e imóveis, dentro de suas igrejas, diferente da cosmovisão praticada pelos frequentadores da umbanda e candomblé. “Nosso altar e nossa fé são praticados em muitos lugares: nas matas, nos rios, cachoeiras, encruzilhadas e outros pontos que representem energia e natureza. Condenar nossas práticas e associa-las ao demônio permeia a falta de conhecimento, ignorância, intolerância e preconceito” disse a vítima.
Rapidamente a postagem que expo a jovem se espalhou, com diversos compartilhamentos e também com vários comentários, muitos deles associando a religião de matriz afro com práticas malignas. Um deles dizia: “vá na delegacia, pois isso é crime” imputando conduta criminosa aos praticantes desta fé. Já outra pessoa escreveu: “meu Deus, eu fico chocada com a maldade do ser humano. Ai que ódio, bem que fez de colocar a cara da tal aqui no face”.
A vítima afirmou ainda, que a demonização dessas religiões é estrutural e que o demônio é uma figura que sequer existe nas religiões afro. “Como as demais expressões de fé, a nossa também prega o amor, defende valores morais e sociais, contam com orações, cânticos e muito respeito”, explicou.
CRIME E PENA
As religiões de matriz africana são o alvo mais frequente de quem não respeita a liberdade de crença. Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, só em 2022 foram 1.200 ataques – um aumento de 45% em relação a 2020.
A lei sancionada em janeiro deste ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que equipara o crime de injuria racial ao crime de racismo, também protege a liberdade religiosa.
A lei, agora, prevê pena de 2 a 5 anos para quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas.
O professor mestre em História pela Universidade Estadual do Centro Oeste, UNICENTRO, Josimar Vitor do Nascimento, em entrevista a CRUZEIRO, explicou que a liberdade de culto, de organização religiosa é um direito explicito na Constituição Federal de 1988 ao mesmo tempo em que posturas de intolerância a qualquer tipo de manifestação religiosa pode configurar crime e estará sujeita a punições.
O respeito entre as pessoas e a religião que cada uma acredita e pratica é fundamental para a manutenção da paz e da harmonia entre as pessoas, explicou ele.